sábado, 4 de setembro de 2010

Estreia – Nosso Lar


Nosso Lar. Brasil, 10. Direção de Wagner Assis. Com Renato Pietro, Othon Bastos, Paulo Goulart, Ana Rosa, Werner Schuneman, Francisco Alves Pinto, Rosane Mullholand, Selma Egrei, Nicola Siri, Xica Xavier, Aracy Cardoso.
Era uma tarefa muito difícil de realizar, transpor para a tela o primeiro livro de Chico Xavier, que lhe foi inspirado e ditado por um espírito de luz, André Luiz. Não é um romance, nem um tratado, não tem uma história convencional e praticamente tudo se desenrola num mundo espiritual, fora da Terra para onde seguiriam os homens depois da morte.
Ou seja, para os que tem fé, não é preciso muitas explicações, para os que não tem,  nenhuma explicação é possível. Os kardecistas, normalmente chamados de espíritas, certamente irão gostar muito do filme, os outros  incrédulos, podem duvidar. E até zombar.
Mas não há como admirar a dignidade que o diretor Wagner Assis, que antes tinha feito apenas uma codireção mal sucedida, com A Cartomante, deu ao projeto, finalizado no exterior com uma enorme quantidade de efeitos digitais, com recursos limitados. Não é super produção americana de muitos milhões de dólares e por vezes há certos detalhes inacabados. Na verdade, tudo na concepção do filme era uma enorme armadilha, desde os figurinos (vagamente orientais), até a direção de arte, os diálogos (os do livro ficaram antiquados, já que foi escrito há mais de 50 anos e com frequência pretendem ser didáticos e não dramáticos). E também o elenco.
Aí que ocorre a maior falha do filme, não ter conseguido escalar um ator mais forte, mais carismático na figura de protagonista. O desconhecido Renato Pietro mal se desincumbe da missão de viver o médico carioca e bem de vida, que morre e vai parar numa espécie de purgatório, ou umbral, jogado num lamaçal onde outros infelizes como ele vivem sofrendo, não se sabe muito bem do que e de onde.




Embora eu veja com simpatia a doutrina espírita e o brasileiro em geral também o faça, nunca li um livro do Chico Xavier, outra figura querida, e me espantou certos detalhes, quase como que na construção de um mundo de ficção científica. Embora minha primeira reação tenha sido constatar que, mesmo depois de morto, a gente não deixa de sofrer, de ter que trabalhar, de ter uma vida de eterna aprendizagem ! Ufa, que cansaço! Não há descanso eterno segundo o filme.
Já que não tinha recursos infinitos à sua disposição, o filme até que se defende bem, ficando sempre à beira do brega, do mau gosto (lembra alguns filmes de fantasia como Zardoz ou Fuga do século 23) mas sem nunca cair no ridículo. Nesse mundo aparentemente espacial, com arquitetura ultra moderna, o médico vai passar por diversas fases e ensinamentos, já que sua trajetória pretende ser exemplar. Ilustrando as diversas fases e procedimentos pelo qual segundo o livro um espírito humano teria que passar ate alcançar a iluminação.
Como eu disse, é um milagre que o filme tenha alcançado a dignidade, com  a ajuda de um elenco de apoio de qualidade (de Paulo Goulart a Ana Rosa, até dezenas de desconhecidos que nunca comprometem. Já que o problema é grave, esses espíritos não têm cotidiano, o que torna toda ação por mais simples que seja discutível).
Por isso, a reação das pessoas ao filme vai depender de suas crenças e disponibilidade para aceitar ou discutir propostas espirituais. Prefiro me fixar no lado cinematográfico da adaptação, que tinha tudo para dar errado. Mas as opções foram quase todas acertadas (e de repente se descobre que a trilha musical é do grande Phillip Glass!) e eu assisti o filme todo com interesse e respeito. É um grande salto na carreira de Wagner (e francamente não vejo muitos diretores capazes de fazer um trabalho semelhante por aqui).
PS - Aproveito para lamentar o fracasso de bilheteria de Cinco Vezes Favela que teve apenas 44 mil espectadores. Sinal de que não adiantaram meus elogios. Vocês que estão perdendo...

veja o trailer:

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